Carta de Lei de 25 de Março de 1824
Formalmente proclamado o total rompimento do Brasil em princípios de setembro de 1822, oficialmente conhecida como ato da Proclamação da Independência, tornou-se indispensável dar uma nova contextura política ao País. Somente para esclarecer bem o/a leitor/a, em verdade o Brasil já ganhara sua independência política, em 15 de dezembro de 1815, quando fora elevado de sua condição de Vice-Reino, embora já sede da Monarquia desde janeiro de 1808, para a condição de Reino Unido ao de Portugal e Algarves.
Quando ainda sediada em terras Brasileiras, a Coroa Portuguesa passou por profundas transformações que tiveram como resultado a eclosão da Revolução Constitucionalista do Porto, na Europa, levando a Monarquia a findar o largo período absolutista que vinha desde sua fundação como nação.
Sua Majestade Fidelíssima el Rey Dom João VI, mesmo no Brasil, chegou a ser forçado a jurar por uma constituição que todavia não fora escrita mas, que lhe deixara muitíssimo claro não mais reinaria como monarca absoluto – iniciava-se em seu reinado o princípio da constitucionalização do Regime Monárquico face aos ventos de mudança que sopravam na Europa findada as guerras napoleônicas.
O Brasil tornando-se Sede da Coroa por ocasião das guerras na Europa, viu-se jubilosamente beneficiado pelas mudanças que passaram a ocorrer – desenvolveu-se o País, em sete anos tornou-se Reino, com todas as prerrogativas que uma independência justa e pacífica a que lhe fazia jus, mostrando ao conjunto rebelde de sua vizinha América Espanhola que sua independência fora fruto de uma gradativa porém rápida evolução natural de sua sociedade ante a presença do Poder Real em solo americano.
Voltando ao relatado no segundo parágrafo, ocorreram substanciais mudanças dentro do próprio regime que irremediavelmente forçaram a volta de el Rey à Lisboa (Sua Majestade Fidelíssima voltara muito a contra-gosto – tinha em a grande visão de construir e manter o Império em solo Brasileiro). Com a abertura das Côrtes Constituintes em Lisboa, o Brasil, como País independente porém unido sob a mesma coroa, envia representantes eleitos para participarem da elaboração da que seria a primeira Carta Constitucional do Império Português, dando início à uma complexa reforma de todo o regime até então vigente.
Somente em seu princípio, os trabalhos das Côrtes Constituintes iniciaram-se bem aos interesses do Brasil, até quando a representação portuguesa, que era maioria, passou a apoiar a revogação de todos os atos régios concernentes à independência política e econômica do Reino do Brasil. Verdadeiramente tratava-se de um processo de recolonização ao patamar anterior ao de 1808, onde somente a Câmara de Lisboa deveria deter o poder do que era ou não era permitido ao então novo reino americano, em detrimento da já consolidada Assembléia Geral do Rio de Janeiro.
Verdadeiramente ultrajados por tamanhas disparidades apresentadas diante das Côrtes Constituintes em Lisboa, os representantes Brasileiros retiram-se das mesmas e regressam ao Brasil, onde apoiados por sua elites locais já não poderiam suportar um rebaixamento de tamando porte - acercam-se do augusto Príncipe Regente, o Senhor Dom Pedro de Alcântara, Herdeiro da Coroa convencendo-o a ficar no Brasil.
Já na Europa, el Rey não mais detinha real poder de indispor-se ante as Côrtes Constituintes, não restanto à este senão aconselhar seu mui amado filho, por cartas pessoais, estimulando-o a sim resistir e ficar no Brasil, pois este se separando, deveria manter-se unido não somente sob sua liderança, bem como principalmente em sua continental dimensão geográfica, evitando-se o que catastroficamente passou-se com toda a América Espanhola.
Pesquisando e lendo em muitos dos textos e comentários da época, é bastante claro supor que el Rey Dom João VI, em sua grande sapiência política chegou a visionar quatro grandes possibilidades bastante possíveis ao que poderia vir a ser o destino do Brasil caso regressasse ou negasse a regressar ao velho mundo – são eles:
1. Se recusasse a regressar à Europa, perderia ele e seus sucessores todo e qualquer direito dinástico sobre o território português, segundo as resoluções do Congresso de Viena após a guerra, porém converteria o Brasil definitavemente sede do grande Império Americano que muitos de seus antepassados chegaram a idealizar, mas somente ele a concretizou, com a subordinação ainda que por treze anos consecutivos de todas as outras colônias ultramarinas diretamente ao Rio de Janeiro;
2. Não procedendo as intenções das elites portuguesas e estas sendo definivamente derrotadas nas Côrtes Constituintes em Lisboa em retroceder o Brasil, vitoriáva-se a manutenção da independência dos dois reinos - sua visão pela manutenção do benéfico “status quo” traria não somente à Portugal, mas principalmente ao Brasil inúmeros benefícios pela manutenção do imenso Império Português – seria como uma espécie de Commonwealth Britânica dos dias de hoje existente em países como Canadá, Austrália, Nova Zelândia, entre muitos outros, onde estes são completamente independentes da Inglaterra porém têm o maior orgulho de manterem como seu Chefe-de-Estado o/a monarca britânico/a;
3. Inevitável a separação do Reino Unido do Brasil face a vitória esmagadora pelo processo de retrocesso político ao mesmo, estando seu filho na cabeça do Estado Brasileiro, conservar-se-ia a unidade territorial do Brasil, e este não seria hostil à sua pátria-mãe, e ainda como Chefe-de-Estado do Brasil, mais tarde, obrigatoriamente, tornar-se-ia Rei de Portugal e talvez poderia propor uma nova re-estruturação contornando a delicada situação política e novamente unir as duas coroas, evidentemente ratificando e respeitando a total independência dos dois reinos, porém sob a mesma coroa – esta possibilidade, dentre as quatro apresentadas, foi a que vingou, porém não levando em conta a reunificação das coroas brasileira e portuguesa – optou-se pela separação total;
4. Derrotados os Constituintes Brasileiros e regressando seu filho à Europa, inevitavelmente testemunharia o então Reino do Brasil o seu esfaçelamento em uma série de repúblicas, umas tentando tragar as demais, face às falsas idéias de liberdade campeantes, a falta de verdadeiros líderes capazes de manter a ordem e, principalmente, o surgimento do contagiante caudilhismo latino americano que já devastava o restante do continente – esta última visão, certamente era a que mais Dom João VI verdadeiramente empenhou-se em evitar que ocorre-se, pois a permanência de seu filho o Príncipe Regente possibilitava uma entre a segunda ou terceira visão pela manutenção da integridade do Império.
Bem, depois de haver passado à limpo um pouco da história que precede a independência, elucidando alguns pontos importantes antes de chegarmos à outorgação da primeira constituição, espero que o prezado/a leitro/a tenha começado a captar a grandiosidade da situação da época.
É conveniente lembrar que durante a instauração das Côrtes Constituintes, no Brasil fora criada ao mesmo tempo uma Assembléia Geral Constituinte mas que fora fechada por ordem das Côrtes em Lisboa. A segunda assembléia fora convocada imediatamente após o ato de independência, porém esta também chegou a ser dissolvida pelo próprio Poder Moderador em virtude da falta de concenso entre as elites representativas, que ao ver de muitos estariam a ameaçar em muito a ordem estabelecida, podendo levar o país à uma secessão irreversível. O tempo era pouco, daí já no dia 25 de março de 1824, a Primeira Constituição do Brasil fora outorgada e, como não poderia deixar de ser, trouxe em seu bojo muitíssimos dispositivos de ordem político-social-eleitoral.
Penso ser de uma leviandade muito grande que muitos e, principalmente, a historiografia oficial denominem a primeira constituição como antidemocrática. Vejam bem, àquela época, o teromo democracia não detinha a definição como em nossos dias, e vale muito bem frisar que o Brasil já se encontrava na vanguarda do mais moderno liberalismo existente no que tange nitidamente a palavra democracia, principalmente que em qüatorze anos (1808-1822), consegüiu impulsionar-se de maneira impressionante, em todos os aspectos, político-econômico-social, sem o cataclisma caudilhesco que assolou o restante de sua vizinha América Espanhola.
A Constituição Imperial do Brasil foi a que mais tempo durou, e durou pelo simples fato que era uma carta justa para a sociedade da época e, principalmente, aberta à interpretações e adequações de acordo com os tempos vindouros. Por ela, segundo as necessidades e costumes da época, o voto era censitário: só podia votar quem tivesse uma renda mínima de cem mil réis anuais. Para ser votado, a renda era maior ainda. E as eleições por consegüinte, eram realizadas de maneira indireta. Elegia a massa de cidadãos ativos em assembléias paroquiais os eleitores de província e estes os representantes da Nação e suas respectivas províncias. Obviamente, prezado/a leitor/a, que assim o processo eleitoral deveria partir e evoluir-se.
A Contituição Imperial era tão prática quanto perfeita, pois permitiu que no II Reinado, fosse instituído o Parlamentarismo com suas peculiaridades e adequações às necessidades do País e seguramente o sistema eleitoral já encontráva-se em processo de re-estruturação para sua modificação no III Reinado entrante, sob a égide de uma mulher como Chefe-de-Estado, que seria Dona Isabel I, a Redentora dos Escravos.
Deve-se frisar que muito provavelmente, caso Dona Isabel chegasse a reinar verdadeiramente em solo Brasileiro – não existe qualquer dúvida que os direitos da mulher, dentre eles inclusive o de votar, seriam amplamente defendidos e postos em prática como continuidade da evolução social e política Brasileiros.
Evidentemente, isso não ocorreu, tal como sabemos, ainda que de ouvidos surdos e olhos bem cegos – um mingüado grupo de republicanos conseguiu instaurar a república no Brasil e assim pôr fim ao longo período de paz e verdadeira prosperidade político-social nesta monarquia constitucional e parlamentarista – introduziram os golpes, os estados-de-sítio, o fechamento do congresso, proibiu-se a livre expressão, tudo em nome do que era vindo dos ideais republicanos e democratas – não se dera conta o povo que estes sim acabaram com a verdadeira democracia que havia, esta havia sido a Monarquia Constitucional e Parlamentarista do Brasil.
O Poder Legislativo constituía-se em Assembléia Geral do Império e era formado pela Câmara dos Deputados, eletiva e temporária, e pelo Senado do Império (o senador, como nos dias de hoje, tinha como funções protocolares representar os interesses de sua província e governo local – segundo a constituição, eram eleitos, segundo as leis eleitorais da época, três senadores por província, onde um deles era nomeado pelo Poder Moderador para ocupação do cargo até sua morte).
O Poder Judiciário, os juízes dos tribunais eram nomeados pelo Poder Moderador.
O Poder Executivo, até a introdução do parlamentarismo, era presidido também pelo Imperador. Com o parlamentarismo, o governo passou a ser responsabilidade exclusiva do Presidente do Conselho de Ministros (quem realmente governava o Brasil), que era um membro da Assembléia Geral, passando este a prestar contas de todos os negócios e contas relativos ao Governo Imperial, referendados, negados e sancionados todos os seus atos pelo Legislativo e conseqüentemente pelo Poder Moderador.
Era ainda de delegação exclusiva do Poder Moderador, fechar a Assembléia Geral, demitir juízes do Supremo Tribunal e convocar tropas para cumprimento de estado-de-sítio ou de defesa. Ora, prezado/a leitor/a, o que lemos aqui, notem bem que estas prerrogativas eram delagadas ao Imperador como Chefe-de-Estado, porém em seu longo e próspero reinado, jamais a Assembléia Geral fora fechada arbitrariamente, decretação de estados-de-sítio ou de defesa nem se quer. Para contra-balançar, já na república, seu primeiro ato fora exilar o Grande Imperador e Sua família, sitiar o Rio de Janeiro, por à pique a ex-Esquadra Imperial e tantos outros funestos acontecimentos que nos preenchem de vergonha até nossos dias.
Nesta Constituição de 1824, a Igreja Católica fora reconhecida como ainda religião oficial do Estado, permitindo o culto doméstico ou partitular das demais outras - seu Chefe era o Imperador. Toda e qualquer resolução emitida pelo Vaticano, obrigatoriamente deveria passar pelas do Imperador para ratificação e execução das mesmas resoluções e orientações religiosas.
A Constituição do Império do Brasil pode, assim, ser considerada o grande e mais orgulhoso marco inicial, como Nação, da evolução não somente do Direito Eleitoral Brasileiro, embora não se desconheçam anteriores disposições eleitorais, mas de todo um conjunto de direitos e deveres, coletivos e individuais, verdadeiramente dígna de ser declarada DEMOCRÁTICA para sua época, unido ou não sob a mesma coroa junto à Portugal.
A primeira instrução eleitoral, como Monarquia Constitucional Independente, foi baixada por decreto e, a rigor, deve ser considerada como a primeira lei eleitoral do Brasil.
Entrou em vigor um dia após a outorga da Constituição e vigorou por mais de vinte anos.
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