domingo, 16 de outubro de 2011

A visita de August de Saint-Hilaire à Fazenda Jaguariaíva


“August de Saint-Hilaire, naturalista francês, veio para o Brasil em 1816 para estudar os produtos vegetais. Além de compor grande coleção de plantas, entre seis e sete mil espécies, colheu material mineral e aninal. Percorreu grande extensão do território brasileiro descrevendo miniciosamente, em suas obras, as províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Cisplatina. Sua contribuição à botânica e a fitogeografia brasileira foi importante; no domínio da Geografia Botânica, descrevendo o aspecto da flora em cada região visitada enriqueceu a fitogeografia florística e a fitogeografia ecológica ao interpretar o complexo meio-físico-planta. Forneceu numerosos dados de interesse etnológico”. (Fonte Enciclopédia Barsa).

Em 1820, Saint-Hilaire visitou a fazenda Jaguariaíva, no seu livro “Viagem à Comarca de Curitiba”, descreve: “…após haver passado a noite à margem do rio Jaguariaíba, subi a colina bastante íngreme que se eleva ao lado desse rio; penetrei em um bosque inteiramente constituído de pinheiros, atravessei, em seguida, um campo; e cheguei logo depois à fazenda Jaguariaíba, propriedade do coronel Luciano Carneiro, a quem eu havia sido recomendado pôr várias pessoas e do qual já tenho dito alguma coisa. Da alta elevação do terreno, onde se achava situada a sua casa, descortinava-se um dos mais amplos panoramas até então pôr mim admirados. O terreno é ondulado e oferece à nossa vista, em todas as direções, pastos imensos entremeados de alguns bosquetes de araucárias. Ao longe se alteiam vários morros que fazem parte das terras ocupadas pelos índios”.
Continuando seu relato, acrescenta o naturalista: “a fazenda Jaguariaíba compunha-se de uma dúzia de ranchos destinados aos negros e de algumas choças, cujos moradores trabalhavam no domínio da casa do proprietário. Esta era a mais importante de todas as que eu havia visto a partir de Sorocaba, mas na parte oriental de Minas Gerais seria considerada como uma das menores habitações. 
Ao chegar, entrava-se pôr um extenso corredor, onde havia três quartos pequenos e escuros reservados aos hóspedes. O apartamento das mulheres também se comunicava com esse corredor, existindo em cada extremidade uma saleta, numa das quais instalaram o oratório. O prédio não era forrado e as paredes dos quartos destinados aos hóspedes não iam até o telhado. Um renque de árvores da espécie denominada figueira do campo e de aroeiras (Schinus aroeira ou Terebinthifollius) abrigava a casa dos ventos do quadrante sul, freqüentemente violentíssimos nessa elevação, e dava boa sombra. Atrás dessas árvores, ficavam os currais, onde, pôr ocasião de minha viagem, se encontrava avultado número de animais. Fui muito bem recebido pelo coronel, cuja fisionomia tinha uma expressão de bondade, que o seu caráter bem conhecido não desmentia. Incluíam-no no número dos proprietários mais ricos dessa região e todos eram concordes em dizer que ele fazia o melhor uso de seus haveres. Poucos instantes depois de minha chegada, o coronel levou-me a ver suas vacas e bezerros, que entravam no curral. 
Os vaqueiros, a cavalo, faziam os animais avançar a sua frente e quando alguma vaca se afastava da tropa, eles reconduziam-na a galope. O coronel queixava-se da vizinhança dos índios inimigos, que, por vezes atacavam a casa dos paulistas. Como a população branca, desde algum tempo, viesse diminuindo, pôr motivos que logo direi, os selvagens iam-se tornando cada vez mais atrevidos, e a seca de 1819, da qual também sofreram os tristes efeitos, mais contribuiu para aumentar a sua audácia. Recentemente haviam eles invadido os campos de propriedade do coronel, tendo morto alguns cavalos e comido a carne, o que nunca tinham feito até então. 
Poucos dias antes de minha chegada a Jaguariaíba, foram vistos a rondar pela vizinhança da casa, e o coronel, imediatamente, ordenou a vinda de alguns soldados, a fim de perseguí-los. Estava eu apenas algumas horas na fazenda quando chegaram oito homens, a cavalo, bem armados, prontos a marchar no dia seguinte contra o inimigo. Alguns desses soldados já haviam tomado parte nessa espécie de caçada deram-me minúcias informações acerca do modo como ela se realizava. 
Procuravam com cuidado o rastro dos índios e, descoberto, seguiam-no até encontrar o acampamento; arremessava-se inesperadamente contra os selvagens; os homens fugiam sem se defender, logo que ouviam os primeiros tiros de fuzil, e, então, os atacantes apoderavam-se das mulheres e das crianças. Como os índios, esperando vingar-se, iam, ordinariamente, pôr-se em emboscada no caminho pelo qual os brancos já haviam passado, estes, a fim de evitá-los, regressavam pôr outro atalho. Os paulistas davam aos bugres das proximidades de Jaguariaíba o nome de coroados, porque, diziam, costumavam fazer no alto da cabeça uma espécie de tonsura, ou coroa.
 Segundo o testemunho unânime dos moradores mais instruídos da região, esses índios construíam suas casa de pau-a-pique, à maneira dos luso-brasileiros, e cobriam-nas com folhas de bambu ou palmeira, mas não as rebocavam. Elas eram bastante compridas, de modo que numa só casa podiam morar várias famílias. Esses selvagens, como os Guinas, cultivavam o feijão e o milho, e parece que conheciam os diversos gêneros de indústria. Um dos milicianos vindos à fazenda de Jaguariaíba para atacá-los, mostrou-me uma espécie de saia usada por uma mulher coroada, feita de tecido, na verdade, muito grosseiro, mas bastante forte. 


Uma índia coroada que havia sido aprisionada numa dessas caçadas, e que o coronel acolhera em sua casa, disse-me que, para fazer esse tecido, empregavam a casca de certo cipó, a qual, haver sido conservada algum tempo imersa na água, era batida e reduzida a estopa. Fiava-se esta sobre a perna, e com os fios assim obtidos, faziam-se o tecido com os dedos, sem auxílio da agulha ou qualquer outro instrumento semelhante”. Concluindo seu relato, Saint-Hilaire menciona que: “…o Coronel Luciano Carneiro era o depositário da pólvora e do chumbo que o governo enviava para os Campos Gerais, a fim de que os moradores pudessem se defender dos assaltos dos bugres ou índios selvagens. No dia em que oito paulistas chegados na véspera deviam pôr-se a caminho, o coronel distribuiu entre eles certa quantidade de munição de guerra, bem como carne, farinha e sal para três dias, após o que se puseram em marcha. Alguns foram antes ao oratório do coronel e ali abriram o nicho em que se achava a imagem da Virgem, ajoelharam-se e oraram por alguns momentos”.(Fonte: Saint-Hilaire, Auguste. Viagem à Comarca de Curitiba (1820). Companhia Editora Nacional. São Paulo, 1964. P.44 a 47 e 48).
Por: Guia Jaguariaiva

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