terça-feira, 12 de outubro de 2010

Ídolos do PT são tão cínicos e corruptos quanto coronéis do NE, diz repórter alemão

O que diz um jornalista alemão sobre os recentes avanços da economia brasileira e os escândalos políticos? O correspondente Alexander Busch, radicado no país há quase duas décadas, tenta responder no livro "Brasil, País do Presente - O Poder Econômico do Gigante Verde", lançamento da editora Cultrix.


Ele escreve para veículos como "WirtschaftsWoche" (Semana Econômica), "Handelsblatt (Jornal do Comércio) e a revista suíça "Finanz und Wirtschaft" (Finanças e Economia). O repórter foi criado na Venezuela, formou-se em jornalismo em Colônia (Alemanha) e estudou economia e política em Colônia e Buenos Aires. Vive e trabalha em São Paulo e Salvador.

Em sua obra, ele conta que o Brasil ainda é refém dos estereótipos como "futebol, samba, carnaval e praia, de uma sociedade profundamente injusta, marcada pela corrupção e pela violência bárbara". Isso fez, na análise do jornalista, que "a ascenção do Brasil à condição de potencial mundial" fosse ignorada, quase sem repercussão na Alemanha.

"O país já fracassou anteriormente em suas tentativas de ascensão, e depois disso deixamos de nos interessar por ele. Não é a primeira vez que o Brasil tenta 'decolar' rumo à condição de potência econômica mundial. Nos anos 70, o país vivia numa situação parecida com a da China de hoje", escreve Busch.

Ao retratar as últimas transformações do Brasil, o correspondente cita detalhes do cotidiano. "Quando quero dar a um visitante uma ideia do boom econômico brasileiro dos últimos anos, levo-os de metrô até a Zona Leste de São Paulo. Em 10 anos, essa região da metrópole de 12 milhões de habitantes viveu uma ascensão surpreendente. Ainda em meados dos anos 90, a Zona Leste parecia não ter futuro", narra na página 27.

Ele também descreve os efeitos do crescimento do mercado interno ("Os shopping centers cada vez mais numerosos e geralmente abarrotados da antiga periferia") e das mudanças na paisagem urbana ("As igrejas católicas desapareceram. Os evangélicos dominam totalmente a Zona Leste. Seus templos parecem com versões da Acrópole nos parques de Walt Disney").

Os capítulos mais contundentes avaliam o desencanto da classe média com os escândalos de corrupção que atingiram o governo do presidente Lula. "Para a grande maioria dos brasileiros, os políticos são invariavelmente corruptos, os partidos são organizações mafiosas e Brasília é um antro de devassidão", compara Busch.

O correspondente relembra os casos de corrupção mais ruidosos e como o governo Lula se comportou nesses episódios. "As diferenças de renda, o baixo nível educacional da maioria e a pobreza ainda arraigada tornam o Brasil um alvo fácil de políticos demagogos", observa o jornalista.

Ele escreve que "todos ficaram muito decepcionados ao perceber que os ídolos da esquerda brasileira eram tão cínicos, tão corruptos e tão sedentos de poder quanto os velhos 'coronéis' do Nordeste ou os 'dinossauros' da política, como o paulista Paulo Maluf".

Leia trecho de "Brasil, País do Presente - O Poder Econômico do Gigante Verde".

Hoje em dia, a classe média costuma zombar do português "errado" do presidente, costuma rir de suas metáforas desajeitadas e sem graça, de suas "gafes" desastradas em discursos oficiais ("Quem chega a Windhoek não parece que está num país africano, tudo aqui é tão limpo e ordeiro"). Outros reclamam do famoso escândalo do "Mensalão", o esquema de pagamento de propinas patrocinado pelo PT (Partido dos Trabalhadores). Deputados oposicionistas recebiam uma "mesada" para votarem a favor do governo em decisões importantes. Era um verdadeiro salário "por baixo do pano". A maioria dos "companheiros" de Lula na liderança política (inclusiva o poderoso José Dirceu, ex-militante esquerdista, ex-deputado e ex-chefe da Casa Civil) foram envolvidos no escândalo e tiveram que renunciar.


Para Lula e "seus companheiros", o prejuízo político desse esquema de corrupção foi enorme. Afinal, o PT e seus líderes não representavam só os sindicatos e classe trabalhadora. A classe média e os funcionários públicos também votaram no PT, pois encarnavam um Brasil novo e democrático que já não tinha nada a ver com os antigos clãs políticos. Por isso, todos ficaram muito decepcionados ao perceber que os "ídolos da esquerda" brasileira eram tão cínicos, tão corruptos e tão sedentos de poder quanto os velhos "coronéis" do Nordeste ou os "dinossauros" da política, como o paulista Paulo Maluf.

José Dirceu, o homem que organizou a vitória de Lula em 2002, é uma figura emblemática. Tinha uma reputação lendária entre os intelectuais brasileiros. Segundo ele conta aos amigos íntimos sobre seu aprendizado político, seu lema na juventude era "matar ou morrer". À primeira vista, isso pode parecer um exagero. Hoje, Dirceu é um senhor de 64 anos, meio calvo, que usa óculos dourados e ternos elegantes. Mas, em 1968, o líder estudantil foi preso pelos militares. Saiu da prisão junto com outros esquerdistas, em troca da liberdade do embaixador norte-americano sequestrado. No exílio em Cuba, recebeu treinamento de guerrilha para a futura revolução brasileira. Depois de uma operação plástica no rosto feita por cirurgiões chineses, voltou secretamente ao Brasil com outros 28 "companheiros". Só oito deles sobreviveram ao primeiro ano da "Operação Primavera". Dirceu usava a identidade falsa de Carlos Henrique de Mello, comerciante de tecidos no interior do país. Casou-se e teve um filho. No dia da anistia política, em agosto de 1979, sua família soube tudo sobre sua identidade verdadeira. Dirceu voltou para Cuba e desfez a operação plástica. De novo no Brasil, começou sua segunda carreira política no Partido dos Trabalhadores, o PT.


Como presidente do PT, usou mão de ferro para unir um partido fragmentado em diversas facções em torno de uma ala de centro, chamada "Corrente Majoritária". O ex-guerrilheiro não se acanhou de costurar alianças com a casta política reacionária -pois, sem esse tipo de pacto, nada acontece no maior país da América Latina. E ainda conquistou um aliado importante para acalmar os receios da economia brasileira diante do esquerdista Lula: o vice-presidente José Alencar, justamente um empresário do ramo têxtil cuja empresa fica numa das regiões mais pobres e de salário mais baixo do país. Os estratagemas deram certo: Lula foi eleito em 2002 e Dirceu tornou-se chefe da Casa Civil.

O desastre aconteceu três anos depois: em 2005, Dirceu foi cassado em seu mandato como deputado federal. Antes disso, já tinha renunciado a todos os seus cargos no governo Lula. Os deputados chegaram à conclusão de que Dirceu era o cérebro do "Mensalão" - a máquina de corrupção do Congresso. Outros altos dirigentes do PT, implicados com as denúncias de corrupção, afundaram também no mar de lama. Hoje em dia, poucos fundadores do partido ainda têm uma reputação sem manchas. Exemplo disso é José Genoíno, ex-presidente do PT e deputado federal com votação recorde em várias eleições. Na única tentativa de organizar uma revolução no interior do Brasil, quase todos os seus companheiros de guerrilha foram massacrados pelos militares. Genoíno sobreviveu por um triz, foi torturado e amargou cinco anos de prisão. Depois disso, tornou-se um dos principais parlamentares do PT e hábil negociador da abertura democrática. Mas, em 2005, um assessor de seu irmão José Nobre Guimarães foi detido no aeroporto com 100.000 dólares escondidos na cueca. Genoíno teve de renunciar ao cargo de deputado e à presidência do partido.

José Dirceu, antigo líder esquerdista, vive hoje uma situação incômoda: quando aparece em público - num restaurante ou num aeroporto -, é recebido com vaias e insultos. Retomando a profissão de advogado depois da cassação, tornou-se lobista de empresas estrangeiras que querem investir no Brasil. Ganha um bom dinheiro com isso, pois tem influência sobre políticos de esquerda no Brasil, em Cuba e no Caribe. Seus clientes incluem donos de multinacionais latino-americanas como o mexicano Carlos Slim, o homem mais rico do mundo, ou Ricardo Salinas do Banco Azteka, que recentemente fez investimentos maciços no Brasil. É uma ironia da História o fato de que o ídolo esquerdista de toda uma geração seja hoje consultor de bilionários estrangeiros. O próprio Lula quase não foi afetado pelos escândalos. Em 2005, apesar das ameaças de impeachment que pareciam tornar improvável sua sobrevivência política, ele se recuperou sem grandes problemas. Ganhou as eleições presidenciais de 2006 e cumpre seu segundo mandato com índices de popularidade de mais de 70%. Na conferência do G20 (Grupo dos 20) em Londres, o presidente norte-americano Barack Obama chamou Lula de "político mais popular do mundo". Muitos brasileiros - sobretudo os de classe média -afirma que o "Mensalão" do PT foi o pior escândalo de corrupção na história do Brasil. Mas eu vejo a coisa de outra maneira. Acho que antes disso a política brasileira tampouco se caracterizava pelo jogo limpo. Não quero com isso embelezar a corrupção no governo petista -quero apenas relativizá-la. Em comparação com os anos 80 e 90, quando grandes escândalos foram denunciados pela imprensa, nos últimos dez anos a economia brasileira atingiu dimensões diferentes. "Uma fatia de 10% não deixa de ser uma fatia de 10%", disse Larry Rohter, ex-correspondente do "New York Times", sobre os vários escândalos de corrupção no Brasil. "A diferença é que, hoje, o bolo é muito maior."

Da: Livraria da Folha

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