domingo, 2 de maio de 2010

Democracia direta é rara no Brasil

Burocracia restringe a apresentação de projetos de iniciativa popular. Das 10.792 leis aprovadas a partir de 1988, apenas 4 foram idealizadas pela sociedade


Representante do povo na democracia brasileira, o Congresso Nacional dá pouco valor às sugestões de leis apresentadas diretamente pela população. O problema é mensurável pela performance dos parlamentares desde a promulgação da Constituição de 1988. Apenas 4 (0,04%) das 10.792 propostas legislativas transformadas em normas jurídicas no período surgiram de projetos idealizados pela sociedade
Três delas nasceram de projetos de lei de iniciativa popular aprovados nos anos 1990. A quarta proposta passou pela Comissão de Legis­lação Participativa (CLP), criada em 2001 na Câmara dos Deputados. Todas dependeram da pressão de diversos setores para serem aprovadas.

O Congresso Nacional não aprova um projeto de lei de iniciativa popular desde 1999. A última foi a Lei n.º 9.840, que concedeu à Justiça Eleitoral mais poderes para punir atos de corrupção nas campanhas. Segundo estimativas do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a legislação permitiu que 1,1 mil políticos fossem cassados por crimes como compra de votos e uso eleitoral da máquina administrativa.
A dificuldade está ligada à burocracia. Os projetos de iniciativa popular foram uma novidade democrática apresentada em 1988, mas só foram regulamentados dez anos depois. As regras estipuladas praticamente inviabilizam a elaboração dessas propostas.

Sugestão

Para que um cidadão comum apresente sua sugestão diretamente ao Congresso, o texto precisa estar amparado pela assinatura de 1% do eleitorado brasileiro (cerca de 1,3 milhão de pessoas). Os documentos precisam ser apresentados ao Legislativo em papel, junto com o número do título de eleitor e do endereço do apoiador da proposta. As barreiras se repetem nas esferas federal, estadual e municipal (leia no infográfico).

“Essas normas sufocam a Constituição e impedem a democracia direta”, diz o presidente da Associação Brasileira dos Magis­­trados, Procuradores e Pro­­motores Eleitorais (Abramppe), Marlon Reis. O juiz é um dos principais defensores do projeto Ficha Limpa, iniciativa popular apoiada por 1,6 milhão de brasileiros e que tenta barrar a candidatura de políticos com problemas na Justiça. O texto deve ser votado na terça-feira no plenário da Câmara Federal.

Para Reis, os deputados cometem uma distorção ao não privilegiarem os projetos populares. “Teve parlamentar contrário ao Ficha Limpa que ameaçou pedir a recontagem das assinaturas só para retardar a tramitação. Ele deveria fazer justamente o contrário, dar prioridade a um tema que notoriamente é de interesse da sociedade.”

Apesar do esforço para a coleta de assinaturas, essas proposições não possuem qualquer diferenciação das demais. Para evitar contestações dos próprios parlamentares, elas são avalizadas por deputados que entram como coautores.
As três iniciativas populares que viraram lei tiveram coautores, assim como o Ficha Limpa, patrocinado pelo deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ).

“A necessidade desses apoios enfraquece o sentido da proposta”, lamenta Reis. Além disso, há o desmerecimento da mobilização popular. O Ficha Limpa, por exemplo, contou com 300 comitês de coletas de assinaturas em todos os estados.

A iniciativa partiu do Mo­­vimen­to de Combate à Corrupção Elei­toral (MCCE), que reúne 42 entidades. “Pode parecer muita gente, mas a maior parte do trabalho de checagem e contagem foi feita por só três pessoas”, conta Edma Cristina de Góes, da secretaria-executiva do MCCE.

O trabalho para obter as assinaturas necessárias começou em maio de 2008 e acabou em setembro de 2009. No geral, as pessoas imprimiam o formulário na internet e depois mandavam por correio para a sede do movimento em Brasília. O principal trabalho, no entanto, foi feito em parceria com a Igreja Católica.

“Era tudo na espontaneidade. Recebíamos desde envelopes com duas assinaturas até caixas com duas mil”, lembra Edma. Depois da entrega do projeto à Câmara, o MCCE ainda recebeu outras 400 mil assinaturas. O Paraná foi o terceiro estado com mais mobilização – foram 182.705 assinaturas até o final do ano passado, atrás apenas de Minas Gerais (317.386) e São Paulo (213.460).

Embora esse trabalho seja pouco reconhecido pelo Congresso, os projetos de iniciativa popular têm um peso inestimável, avalia o cientista político Leonardo Barre­­­to, da Universidade de Bra­­sília. “Quando você consegue reunir mais de 1 milhão de apoios em torno de uma causa, ela deixa de ser um simples projeto.” Para ele, os parlamentares podem até resistir, mas não conseguirão barrar o projeto Ficha Limpa. http://www.gazetadopovo.com.br/

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