País segue com projeto de desenvolvimento de tecnologia própria e não vai desativar as centrais de enriquecimento de urânio; objetivos do empreendimento nuclear não foram esclarecidos
O acordo nuclear de Teerã, mediado pelo presidente Lula e pelo primeiro ministro da Turquia, Recep Erdogan, não muda o programa atômico do Irã. O país segue com seu projeto de desenvolvimento de tecnologia própria e não vai desativar as centrais dedicadas ao enriquecimento do urânio. De acordo com especialistas brasileiros que conhecem bem a atividade iraniana no setor, a forma como o compromisso foi construído permite pela primeira vez a negociação do acesso de inspetores internacionais.
Na prática, o tratado está limitado às atividades do TRR, o Reator de Pesquisa de Teerã. O equipamento usa como combustível o urânio enriquecido a taxas de 19,7% para produzir isótopos utilizados em procedimentos médicos e em atividades civis básicas.
Para abastecer esse sistema, o memorial assinado pelos chanceleres dos três países - Irã, Brasil e Turquia - estabelece que a Organização de Energia Atômica do Irã entregará em território turco 1,2 toneladas de urânio 235 levemente enriquecido. O material continuará sendo propriedade iraniana, e protegido por salvaguardas diplomáticas.
Sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o lote será trocado por 120 quilos de urânio beneficiado no limite de 19,7%. Para geração de energia elétrica ou para a propulsão de submarinos, por exemplo, o índice é de 3,5% a 5%. Armas implicam 90% - ou mais.
O governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad tem uma semana para certificar o acordo na AIEA. O Grupo de Viena, formado pelos Estados Unidos, França, Rússia e pela agência controladora tratará então do mecanismo operacional que implica mobilização, transporte, inspeção e transferência do urânio.
Zona de sombra
Há vários pontos obscuros no contrato. O prazo para que os 1.200 quilos de urânio básico do Irã sejam depositados em um determinado ponto da Turquia é de 30 dias depois de cumpridas todas as formalizações. O Grupo de Viena terá então um ano inteiro para entregar os 120 quilos enriquecidos. Esse intervalo era considerado excessivo por dois especialistas ouvidos pelo Estado.
Embora seja vista como possibilidade para uma negociação pela via da diplomacia para o impasse do amplo programa de capacitação nuclear iraniano, a declaração conjunta não avançou nada em relação a necessidade de uma definição dos objetivos desse empreendimento. Também é ignorado o acesso de fiscais independentes às muitas instalações de desenvolvimento, particularmente às mais novas, como as de Kom, a cidade sagrada.
A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, disse que, nesse local, e sob montanhas de rocha, Ahmadinejad construiu um complexo industrial para abrigar as cascatas de ultracentrífugas - as máquinas que enriquecem o urânio natural dando a ele capacidades energéticas - mais avançadas e o centro de pesquisa eventualmente com metas militares.
De acordo com a inteligência americana, a partir dessas facilidades, o Irã poderia produzir ogivas para os seus mísseis de longo alcance até 2013. O governo islâmico não contestou esse afirmação.Roberto Godoy, de O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário